Nas primeiras horas da terça-feira (14), mais de 40 embarcações, entre canoas e pequenos barcos a motor, chegaram à cidade de Cáceres para as atividades do Dia do Rio Paraguai. Elas traziam homens e mulheres que dedicaram suas vidas à pesca e veem a profissão ameaçada em razão da Lei n° 12.197/2023, a Lei do Transporte Zero. Sancionada em julho deste ano, a norma entrará em vigor em janeiro de 2024, proibindo o transporte, o armazenamento e a venda de peixes dos rios de Mato Grosso por cinco anos.
O Dia do Rio Paraguai é data reconhecida na luta em defesa dos recursos naturais e, neste ano, foi marcada por manifestações contra a Lei do Transporte Zero. Como parte da programação, a Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) promoveu audiência pública que lotou o auditório da Secretaria Municipal de Turismo (Sematur) de Cáceres. Na abertura da reunião, representantes dos treze comitês que integram o Comitê Popular do Rio Paraguai/Pantanal e grupos de pescadores fizeram um ato pela derrubada da lei. Com bandeiras e cartazes nas mãos, eles puxaram o coro “Não ao Cota Zero!”.
De acordo com Vanda dos Santos, da Associação Cultural Fé e Vida, a participação dos pescadores nas atividades do Dia do Rio Paraguai nunca havia sido tão expressiva. “Este ano, a mobilização deles foi surpreendente. Se juntaram a nós em grande número e, em resposta, recebem todo o nosso apoio na luta contra o Cota Zero. A presença dos pescadores fortalece ainda mais o nosso trabalho em defesa do rio”, disse Vanda, uma das organizadoras das atividades do Dia do Rio Paraguai em Cáceres.
O pescador Elenino Pedro Freitas acredita que, com a entrada em vigor da Lei n° 12.197, os piores impactos se darão no aspecto cultural. “O rio Paraguai, assim como todo o Pantanal, também é feito de gente, gente que tem tradições, que tem sua cultura. Os pescadores fazem parte disso. Uma lei como essa prejudica o nosso povo, enfraquece e apaga a história que carregamos, história construída pelos que vieram antes”, disse Elenino. A Lei do Transporte Zero teve origem em mensagem enviada pelo Poder Executivo à ALMT, onde o projeto tramitou em regime de urgência, lido em plenário no dia 31 de maio deste ano e aprovado em Redação Final em 5 de julho. Entre os questionamentos feitos ao projeto está a ausência de estudos que comprovem a redução do estoque pesqueiro nos rios de Mato Grosso e, em caso de uma possível redução, pesquisas sobre a relação desse fato com a atividade pesqueira. Esses são alguns dos apontamentos que têm sido feitos pelo Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad), uma das organizações mobilizadas pela derrubada da lei.
“A ausência desses estudos, por si só, coloca a norma em xeque. Enquanto isso, já existem pesquisas que apontam os prejuízos da construção de barragens para o desenvolvimento dos peixes e, nesse caso, não se observa o mesmo interesse e vontade na atuação governamental no sentido de impedir a expansão desses empreendimentos”, explicou Herman Oliveira, secretário-executivo do Formad.
O deputado estadual Lúdio Cabral (PT), requerente da audiência pública realizada em Cáceres para debater o Dia do Rio Paraguai, voltou a classificar a Lei do Transporte Zero como “um projeto de maldade, que nega a existência das comunidades tradicionais, dos pescadores e pescadoras artesanais que protegem os rios”. Lúdio destacou a importância da audiência pública para ouvir e registrar as demandas populares e, a partir delas, utilizar as ferramentas disponíveis no mandato para gerar os encaminhamentos necessários.
Ação Direta de Inconstitucionalidade – Recentemente, o partido Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com o objetivo de derrubar a Lei n° 12.197. O documento enfatiza que a lei invade a competência da União de legislar sobre normas gerais relacionadas à pesca, além de representar prejuízo incalculável aos pescadores artesanais.
Em razão da ADI, a Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou pela inconstitucionalidade da lei, pois, segundo o parecer, a lei não se preocupou com o modo de vida das comunidades tradicionais quando propõe restrições aos direitos básicos e afronta o princípio da dignidade da pessoa humana ao impedir a prática profissional que garante o sustento dos pescadores.
O Ministério da Pesca e Aquicultura também se posicionou contra a lei por preterir a pesca artesanal e privilegiar a pesca amadora e esportiva.
Dia do Rio Paraguai – O Dia do Rio Paraguai é data de comemoração e luta criada a partir da lei estadual n° 7.570/2001, de autoria do então deputado Gilney Viana (PT). O dia 14 de novembro foi escolhido para lembrar a manifestação realizada nesse dia, no ano 2000, quando o governador à época, Dante de Oliveira, foi até Cáceres para participar de uma audiência pública sobre o licenciamento ambiental do Porto de Morrinhos, que marcaria o início da Hidrovia Paraguai-Paraná.
Por conta de forte mobilização popular, a audiência foi cancelada e o licenciamento do Porto de Morrinhos suspenso pela Justiça meses depois. Segundo o deputado Lúdio Cabral, a data é uma oportunidade de relembrar o dia de luta e renovar os ânimos para os problemas que continuam vivos, especialmente no que se refere à construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) e a retomada das obras da Hidrovia Paraguai-Paraná.
Fonte: ALMT – MT